sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O MOÇO DO MAÇO DE SALSA



Tia Ana resolveu que precisava comprar um maço de salsa.
Papai falou para ela que tinha salsa fresca no canteiro da hortinha.
Tia Ana disse que aquela não era do tipo que precisava, e que ia comprar com o dinheiro que recebia de sua pensão.
Quando tia Ana voltou parou diante da porta da cozinha, que era na verdade era uma meia porta, a parte de baixo com 84 cms de altura, ficava fechada para o cachorro não entrar e a de cima ficava aberta para o ar entrar, ela tina uma caixote na cabeça cheia de maços de salsa.
- Por que tanta salsa tia Ana?
- Eu não comprei tudo isso...
Ao abrir a parte de baixo da porta para entrar vimos que estava acompanhada de uma rapaz de uma perna só e com uma estatura muito baixa que quando postado atras da porta, dele só se via o topete.
- Este moço vendia salsa na feira... me contou sua história de vida... me apaixonei pela história... me apaixonei por ele... não quero ouvir converse... trouxe- para comigo morar.
- Mas tia Ana, tudo assim tão rápido, não é melhor a senhora refletir por uns dias?
- Ele me contou que levantava cedo, 3 da manhã pra colher salsa... seu reumatismo agravo-se por isso... senti pena... depois admiração por seu esforço... já imaginou?... ele cego de um olho, andando de madrugada pelos canteiros escuros colhendo salsa no frio?... foi por isso que a catarata do olho bom avançou tanto...
O baixote foi entrando silencioso e de cara feia pra todos, sentia que não era bem vindo.
Sentou num banquinho que minha prima usava pra fazer o pé e ficou lá tossindo por causa da enfisema. Notamos que estava com conjuntivite.
Meu pai ponderou:
- Cunhada, onde este senhor vai se instalar?
- Em meu quarto, lógico... ou pensam que não sou mulher de assumir as coisas que digo... me apaixonei por ele... não tem volta... eu vou bancá-lo... comprarei para ele com meu dinheiro todos os remédios que ele usa pra diabetes e pra pressão alta... os da gastrite conseguirei no posto.
- Cunhada,- disse o papai – mas sua pensão mal dá pra comprar os seus remédios.
- Eu vou seguir com o negócio dele de plantar e vender salsa... ele me falou que é muito lucrativo... que estava se endireitando na vida com isso... já quase pagou todas as dividas que tem nos bancos, nas financeiras e com alguns agiotas...
-É, é, é, é, é, fer, fer, fer, ferdade....
Descobrimos com muita pena que ele era gago e levemente fanho.
Papai notou que não deveríamos contrariar tia Ana naquele momento, então disse:
- Vamos esperar até passar o ataque epilético do moço... daí nos reunimos e conversamos.
É, ele se emocionou demais com o assunto e começou a ter convulsões.
- Cunhada como é o nome deste senhor?
- Ele não lembra... esta com aminésia, foi atropelado por uma moto... perdeu um rim, foi tudo muito traumático...
- Esta bem cunhada...
Tia Ana levou-o para seu quarto e resolvemos não tocar mais no assunto naquela noite.
Mas ninguém consegui dormir naquela noite, em parte devido ao impacto da novidade e em parte pelos ruídos selvagens que vinham de dentro do quarto de tia Ana.
Na manhã seguinte acordamos com os berros de tia Ana.
Todos corremos para o corredor.
Tia Ana descabelada disse:
- Ele morreu.
Que infortúnio, pensamos todos.
- Tivemos nossa lua de mel, depois eu o esqueci dentro da banheira e ele morreu afogado... coitado... um rapaz tão disposto e bonzinho...

Informações complementares:
1) O rapaz na verdade se chamava Geraldo Magela de Almeida, era natural de Sergipe, tinha 42 anos, estava em seu 4º matrimonio formal, fora viúvo por 3 vezes e tinha 12 filhos, 3 de cada casamento.
2) O rapaz vendia em média 25 maços de salsa por dia a R$ 0,50 cada.
3) Ele havia perdido a perna numa aposta. Apostou com amigos que deitaria na linha do trem com uma das pernas sobre o trilho conseguiria fazer parar uma composição com 5 máquinas e 80 vagões carregados sensibilizando o maquinista chefe. Perdeu a aposta. O maquinista chefe disse que não viu ninguém deitado nos trilhos e pensou que aquele montinho fosse bosta de vaca.
4) O motoqueiro que o atropelou feriu-se gravemente e teve morte instantânea. A moto deu perda total. A seguradora não cobriu os danos porque a moto estava com a placa dobrada.
5) Tia Ana tinha 83 anos quando tudo isso aconteceu, e mesmo assim tomou a pílula do dia seguinte por precaução, pois uma das camisinhas paraguaias usadas estava com defeito de fabricação.
6) Tia Ana era solteira e assim ficou até sua morte aos 98 anos.
7) O delegado que presidiu o inquérito sobre a morte do rapaz arquivou o processo alegando que fora um acidente doméstico que não tinha como ser evitado e achou o currículo do moço bastante invejável.
8) Na mesma época estava passando na TV a novela Salsa & Merengue.

Um comentário:

  1. Totalmente nonsense, totalmente delicioso. Dei boas risadas, tentando imaginar a cena toda... gostei muito.

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