Américo trabalhava num emprego ordinário, ganhava mal e tinha uma mulher de quem não gostava mais.
Aos domingos levantava cedo e passava o dia sem fazer nada de útil.
Sua vida era besta e ele mesmo achava que não fazia sentido viver se fosse prá fazer todos as semanas a mesma coisa.
A comunicação dele com a mulher era meio que telepática, ela pegava a vassoura pra varrer o chão e ele saia do caminho, ela colocava o almoço na mesa e ele sentava e almoçava em silêncio, ela recolhia a toalhas do varal e ele tomava o banho do dia, ela ligava a televisão e ele sentava na frente e dormia, ela desligava ele levantava e ia pro quarto dormir, tava encerrado o domingo.
Mas num domingo de Setembro, ela resolveu limpar a casa prá incomoda-lo um pouco mais. Ele fugiu prá onde pode, mas onde ele ia ela ia atrás pra atormenta-lo com algum incomodo da faxina.
Por fim ele resolveu sai para a rua e foi descendo até chegar na avenida. Encostou-se por lá, pois nem dinheiro prá entrar num bar e beber algo ele tinha.
Depois de um longo tempo ele viu algo inacreditável.
Uma loira de jeans rasgado caminhando pela calçada.
Ela não imaginava que pudesse existir uma mulher como aquela, pensou em sua mulher, comparou com a loira, e viu que não havia comparação. Mas como chegar perto de uma mulher daquelas, como falar com uma mulher daquelas, que assunto? que tipo de homem seria capaz de levar uma mulher daquelas para a cama e ser amado por ela?
Ela passou vagarosa e rebolante, o corpo todo se movia como uma cobra sobre as areias quentes do Fezzan. O movimento era tão sensual que ele sentiu que algo de anormal crescia dentro dele, depois fora dele também. Nunca imaginou que uma mulher dessas fosse real.
Segui-a meio de longe prá poder olhar um pouco mais para a bunda dela. Mas ela mesmo lenta estava ganhando distancia e ele já começava a escorregar em sua baba. Ele apertou o passo e possuído por algo estranho segui-a com o firme propósito de conquista-la.
Conquista-la? Olhe-se no espelho: bermudão feito de um velho moleton, camiseta da Kaiser, chinelo havaina roto, cabelo ralo e ainda assim um ninho de coruja, óculos de velho... um bagaço.
Ela andou e entrou numa loja.
Ele ficou na porta esperando.
Quando ela saiu, ele continuou a perseguição.
Ele continuou no mesmo ritmo e em seguida entrou em outra loja, já mais perto do centro do bairro e com segurança na porta. Ele ficou esperando na porta e o segurança de olho nele.
Quando ela saiu o segurança falou ao ouvido dela que o cara a estava seguindo.
Ela foi direta e certeira em direção a ele e disse:
- Querido, você quer alguma coisa?
Depois de meia hora ele respondeu:
-Eu?
-Sim, você esta bem, precisa de alguma coisa?
Mais 45 minutos e ele respondeu:
- Eu?
Quando se deu conta estava dentro de uma ambulância, que a loira havia chamado pelo celular.
Ela ainda ajudou a coloca-lo no veículo e disse a ele:
-Estes moços vão ajuda-lo, ok? Depois eu vou te ver prá saber se ficou tudo bem... tá?
Ele olhou prá ela, a porta fechou e ele disse:
-Tá!
O ajudante da ambulância, uma rapazão de uns 120 kilos, falou:
- O tio, o sinhor tem nome é?
- Américo.
- E onde você quer que a gente deixe você velhote?
- Onde?
Bom o motorista tinha que passar na casa de um colega prá pegar uma marmita e resolveu deixar a encomenda numa rua longa e deserta, ladeada por uma linha de trem de um lado e um muro enorme do outro.
Américo andou ao longo do muro meio zonzo e depois de muito andar encostou num portão de madeira enorme, escuro, cheio de cravos dourados.
Depois de algum tempo ali o portão se abriu e um homem de vestimenta marrom disse:
- Entra.
Américo entrou de cata cavaco e o marronzão falou:
- Você tem problema na coluna?
- Tenho. ( mas não tinha )
- Por esta noite você vai dormir no quartinho que tem no final deste corredor, amanhã eu te acordo cedo, você toma um banho, ouve a missa e vamos, tá?
- Sim senhor.
Duas semanas depois ele estava interno num mosteiro no interior da Bahia trabalhando na horta e cortando lenha de manhã a noite.
Ficou nessa vida por 14 anos sem que nunca ninguém lhe perguntasse nada sobre sua via e seu passado.
Uma tarde ele se sentiu barrigudo, velho e cansado e sentiu saudades de casa.
Abriu o portão lateral que dava prá criação de cabras e sem levar nem um palito de fósforos saiu andando e quase morreu de frio no curso da madrugada. Foi ganhando comida aqui e pousada ali e quando se deu conta estava nas portas de outro mosteiro, este budista, onde pela primeira vez pediu alguma coisa. Pediu prá ficar. Deixaram por mais 13 anos.
Um dia ele acordou e pediram prá ele ir embora sem nenhuma razão.
Nesses 27 anos ele havia adquirido um estado mental alterado, tornara-se um bobão.
Quase não falava, não tinha assunto, não lembrava direito de onde era.
Mas voltou prá sua cidade enviado pelo monges budistas.
Quando desceu na rodoviária, sem nada além das roupas do corpo, vagou pelas ruas e albergues como um morador de rua, até que um dia passou pela avenida onde havia sido recolhido pela ambulância. Com um pouco de esforço achou a rua onde morava, mas não conseguiu achar mais sua casa. Tudo havia mudado.
Sentou-se então numa mureta de uma jardineira em frente a um prédio residencial e lá ficou sem conseguir sequer pensar no que faria.
Do outro lado da rua um homem o olhava de forma insistente, chamou outra pessoa e apontou-o, outros vieram e ficaram olhando prá ele e trocando comentários. Américo sentiu que era com ele, imaginou que levaria uma surra, mas ficou paralisado quando percebeu que o grupo, uns 7 ou 8 homens, atravessou a rua.
- O senhor não é o Seu Américo?
Ele pensou: se confirmar apanho. Ficou olhando aqueles homens todos com cara de piedade e terror. Com muito sacrifício conseguiu engolir um gole de saliva.
- Eu não... ( me lembro. Ele ia dizer ).
- Seu Américo o senhor não lembra da gente?
- Não... eu...
- Seu Américo a Lenda Viva voltou...
E passaram a abraça-lo e a cumprimenta-lo.
- Conta ai Seu Américo, onde anda aquela loira? Sua mulher morreu de desgosto de saber que o senhor fugiu com ela prá Miami... seu malandrão...
- Ela falava prá todo mundo que o senhor escondia dinheiro em algum lugar, mas nunca ninguém imaginou que o senhor tinha conseguido mandar tanto dinheiro pros States...
- Qual a lábia o senhor usou prá conquistar aquela mulherona??? fala ai Seu Américo...
-É... é... eu não...
- Seu Américo o senhor é fogo eih? Todo esse tempo com aquele mulherão vivendo do bem bom, foi muito bem feito prá sua patroa que era uma linguaruda e pago, pagou bem pago...
- Mas Seu Américo, cadê a loirona? O Sr. tá meio detonado? Ela limpou o senhor, não foi?
-Deixa prá, a Lenda voltou. Voltou e agora vai ensinar prá gente os truques e manhas dele...
- É, é...
Durante 27 anos aquele povo acreditou que Américo vivia nos Estados Unidos com aquela loira deslumbrante que não envelhecia e fazia todas as vontades dele.
Aquele povo acreditava na Lenda e nunca deixaram que ela fosse esquecida, porque a Lenda dava uma esperança prá cada um dos fracassados que nela falava.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
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